Comunidade do Território Quilombola Urbano da Liberdade se despede de Dona Eugênia Rosa, matriarca da comunidade, que faleceu aos 109 anos
Caixeira do Divino Espírito Santo, coreira do Tambor de Crioula do mestre Leonardo e "torcedora" do boi de Leonardo, sua vida era retrato de luta, autonomia e emancipação
Durante toda noite do dia 20 de junho, os tambores rufaram na comunidade da Liberdade. As coreiras rodaram as saias coloridas. Cantos foram entoados. Tudo para homenagear aquela que nasceu durante a 1ª Guerra Mundial e a construção do Matadouro Modelo; viu a instalação de bases estadunidenses no Tirirical durante a 2ª Guerra; presenciou a Greve de 51; ouviu o apito do primeiro, e do último trem, que ia e vinha pela Estrada da Vitória; que conheceu a repressão policial aos brincantes de bumba bois e aos capoeiristas. Teve tempo também para ver o reconhecimento dessas manifestações culturais de origem afro-brasileiras.
A matriarca daquele Território Quilombola, Dona Eugênia Rosa Ferreira, morreu na manhã daquele dia. Aos 104 anos ou 109, conforme o registro oficial ou o relato oral dela mesmo. Pouco importa. O importante mesmo foi o papel social, cultural e religioso que Dona Eugênia exerceu por um século de vida. Ela era uma referência.

Caixeira do Divino Espírito Santo, coreira do Tambor de Crioula do mestre Leonardo e "Torcedora" do boi de Leonardo, Dona Eugenia era a mulher mais longeva da comunidade e sua história de vida um retrato de luta, autonomia e emancipação.
Por isso mesmo, em março de 2020, Eugênia Rosa foi homenageada pelo Centro de Iniciação ao Trabalho (CIT), equipamento vinculado à Secretaria de Estado da Igualdade Racial (SEIR), em parceria com Secretaria de do Trabalho e Economia Solidária (Setres), CRAS e Fundação Josué Montello, ao dar nome ao Projeto Mulheres de Eugênia, uma ação que disponibilizou atividades de lazer, cultura, saúde, estética, debates, entre outras, às mulheres dos bairros Liberdade, Camboa, Alemanha e Fé em Deus.
A Secretaria de Estado da Igualdade Racial (SEIR) emitiu Nota de Pesar pela morte de Dona Eugênia Rosa Ferreira em que destaca esse papel.
No início do mês de junho, o secretário Gerson Pinheiro (Igualdade Racial) participou da homenagem à Dona Eugênia, em uma grande festa no CIT, organizada pelo Grupo Mulheres de Eugênia e que teve apoio da própria SEIR, da Setres, Semu, Sejuv e Sedihpop. “Foi uma festa marcada pela emoção e pela deferência à uma mulher negra, referência de várias gerações daquela comunidade em muitos aspectos da vida”, relembra Gerson Pinheiro. Na avaliação do secretário, com a morte de Eugênia, se perde parte dos saberes acumulados por um século, mas também fica o exemplo e o que ensinou a todos e todas que a rodeavam.

O governador Carlos Brandão lamentou a morte da matriarca e destacou que ela era “uma mulher negra com grande representatividade e que deixa importante legado de luta por sua comunidade”. E manifestou solidariedade aos familiares e amigos.
Em 2020, a coordenadora do Núcleo de Projetos Sociais da Fundação Josué Montello, Gisele Padilha, afirmou que “é preciso fortalecer a mulher, mas para isso é preciso dar exemplos vivos de luta, de história, e a lucidez e vida de Dona Eugênia, que do alto dos seus 107 anos [à época], soma-se à essa necessidade e traz uma rica referência”.
LIBERDADE
A Fundação Palmares, por meio da Portaria nº 192, de 13 de novembro de 2019 reconheceu a Liberdade como comunidade remanescente de quilombo. O Território Liberdade Quilombola foi o primeiro quilombo urbano reconhecido no Maranhão e sua área abrange cinco bairros de São Luís (Liberdade, Camboa, Fé em Deus, Diamante e Sítio do Meio), com uma população de cerca de 160 mil moradores, constituindo-se num dos maiores quilombos urbanos da América Latina. Com esse reconhecimento, é possível ter políticas públicas, de infraestrutura e qualidade de vida voltadas especificamente para a comunidade.